Entrevista com Eduardo Giannetti

23/05/2010 15:32

 

Professor Eduardo Giannetti:

 

Formado em Economia pela FEA/USP e em Ciências Sociais pela FFLCH/USP. PhD em Economia pela Universidade de Cambridge, Inglaterra. Foi professor na Universidade de Cambridge (1984-87) e na FEA/USP (1988-2000). Autor de diversos artigos e livros, entre os quais: "Beliefs in action" (Cambridge University Press, 1991); "Vícios privados, benefícios públicos?" (Cia. das Letras, 1993); "Auto-engano" (Cia. das Letras, 1997); "Felicidade" (Cia. das Letras, 2002) e “O valor do amanhã” (Cia. das Letras, 2005)

 

 

 

PROFISSIONAL

 

Opinião) O que estimulou o Sr. a se tornar docente do Insper?

Eduardo Giannetti) Eu fui professor em Cambridge durante 3 anos, depois na USP por 12 anos e estava muito descontente com o ambiente acadêmico. Eu via meus colegas que mais admirava saírem ou se aposentarem e me sentia isolado e desmotivado. Aí, eu acompanhei o então IBMEC, pois já conhecia bastante o Cláudio Haddad, e, num primeiro momento, ele me convidou para participar. Fiquei muito tentado, mas não aceitei na primeira vez. Porém eu percebi que o projeto era muito promissor e inovador, o que me levou a tomar uma decisão [de vir ao IBMEC]. Não foi fácil de me desligar da Economia na USP para me tornar professor integral do agora Insper.

 

Opinião) Tendo em vista que o senhor ministrou aulas na Universidade de Cambridge, quais críticas e elogios que podem ser feitos em relação aos alunos de Ensino Superior no Brasil?

EG) O aluno de ensino superior no Brasil tem um hábito adquirido do ensino médio de considerar que a sala de aula é o lugar privilegiado do aprendizado. Isso não é verdade! Os alunos na Inglaterra, que eu tive mais contato direto, eram muito mais motivados a estudar fora dela. Eles têm muito menos carga horária, e a aula é muito mais preparada pelos alunos também. São motivados ao estudo vinte e quatro horas por dia. Um aluno em Cambridge não é aluno apenas enquanto esta dentro de sala assistindo à aula; ele é aluno o dia inteiro: em tudo o que está fazendo, ele está aprendendo e buscando conhecimento. Já o aluno brasileiro parece que vem assistir à aula e, saindo da faculdade, está na vida, está na rua. Ele deixa de ser alguém que busca conhecimento e que toma a iniciativa de aprender. Acho que, desde a sua formação, os alunos precisam estar muito dispostos a usar uma biblioteca, irem atrás de conhecimento, de tudo, e mergulharem no campo pelo qual se sintam apaixonados em conhecer. Quase não vejo, no Brasil, alunos com real paixão pelo saber. O que muito me entristece como professor.

 

Opinião) O Sr. acha que isso tem alguma ligação com o conceito criado de que o brasileiro decora em vez de aprender?

EG) É verdade. Existe uma visão muito limitada no processo educacional brasileiro. Começa já no ensino fundamental: a professora passa a lição no quadro negro de costas, os alunos copiam no caderno e reproduz-se o que vai cair na prova. Se for pedido pra responder o que está no livro-texto, o aluno responde melhor do que ninguém; mas, se sair um pouquinho do manual e pedir para ele pensar, ficará completamente perdido. Nós não somos treinados a pensar por conta própria. Eu prefiro uma resposta errada que parte do pensamento a uma resposta certa que apenas foi memorizada e reproduzida. Há muito mais valor num erro genuíno que resulta de um esforço de conhecimento do que num acerto que é apenas uma reprodução memorizada sem valor.

 

LIVRO/FILOSOFIA

 

Opinião) Em agosto desse ano o Sr. lançará um livro que tratará da relação cérebro-mente. Qual foi o incentivo para a elaboração dessa obra?

EG) Eu estou matutando esse tema há, pelo menos, vinte e cinco anos. Eu quase perdi o meu doutorado por causa desse assunto. Eu fui bombardeado e questionado intensamente por conta de algumas ideias que eu ousei a colocar em minha tese de doutorado sobre o tema. E esse assunto é algo que me apaixona! Na época em que levantei isso no campo da teoria econômica ainda nem existia o termo “neuroeconomia”; mas a ideia está lá na minha tese. Fiquei com esse assunto tomando ânimo para um dia poder fazer uma investida forte. Até que tomei coragem, em 2009, de tirar um ano sabático para ficar integralmente dedicado a assimilar, de forma organizada, todo o material que juntei nesses vinte e cinco anos.

 

Opinião) Dê-nos uma breve explicação sobre o tema.

EG) Existe uma tese chamada “fisicalismo” sobre a relação cérebro-mente. O livro procura entender o que acontece na vida interior de alguém que passa a acreditar nisso. É uma ideia de que tudo o que existe no mundo físico é explicado, integralmente, por variáveis físicas; por isso chama “fisicalismo”. Não se precisa de nenhuma variável mental para explicar o que se passa no espaço e no tempo.

 

Há uma imagem que foi criada por um biólogo contemporâneo de Darwin: “os estados mentais estão para os estados cerebrais, assim como o apitar da panela de pressão está para o seu mecanismo de funcionamento”. As pessoas têm a ilusão de que o apito faz a água ferver; mas, na verdade, é porque a água ferveu que o apito soou.

 

O que eu estou tentando fazer é o seguinte: vamos levar a sério isso e trazer para a experiência pessoal essa hipótese de trabalho da neurociência. Você passa a perder, radicalmente, a familiaridade com o que faz você ser quem é e porque age como age. Acha que está no controle, mas, na verdade, está sendo controlado. O livre arbítrio desaparece nessa hipótese fisicalista. A própria identidade é uma espécie de personagem que o cérebro fabulou sobre nós mesmos.

 

Eu espero que o resultado de quem se dispuser a ler esse livro seja a pessoa se dar conta da incerteza e fragilidade da compreensão que nós temos de nós mesmos. Ainda que a pessoa não acredite no que o meu personagem acredita, eu acho que, se eu der essa balançada nas certezas do senso comum e na psicologia intuitiva que nós estamos acostumados a alimentar sobre nós mesmos, o livro cumpriu o seu papel.

 

Opinião) O nível de complexidade desse livro é alto?

EG) Assim como todos os meus livros, escrevi de maneira que qualquer pessoa educada e disposta a se concentrar um pouquinho possa ler sem dificuldade.

 

Opinião) Em certa edição, a revista “The Economist” declarou que “a leitura no Brasil é uma vergonha”. Quais são os fatores que o Sr. identifica que levam o nosso país a ser formado majoritariamente por não-leitores? Que política poderia ser implementada para mudar esse cenário?

EG) O baixo nível de escolaridade e a péssima qualidade do ensino no país. Vou fazer só uma comparação: os Estados Unidos, que foram também uma colônia como o Brasil, universalizou o acesso ao Ensino Fundamental no início da década de 90 do século XIX. O Brasil fez o mesmo só que com um século de atraso, na década de 90 do século XX. Nós temos um século de atraso em relação aos Estados Unidos nesse quesito elementar da vida civilizada que é o Ensino Fundamental. Se você pegar o Ensino Superior hoje da população na faixa etária relevante, cerca de 12% de brasileiros frequenta a Universidade contra 30% dos Estados Unidos. Nós estamos com a frequência do Ensino Superior parecida com a que existia nos Estados Unidos no final do século XIX. De novo, estamos um século atrasados. Agora isso é parte da nossa trajetória, da nossa formação histórica, da maneira como foram conduzidas as políticas públicas, da fragilidade da família na vida brasileira e tudo mais. O problema é político, mas não só. Quanto mais se estuda a formação do capital humano, mais se descobre a importância de uma instituição pouco estudada hoje: a família.

 

ECONOMIA

 

Opinião) No livro ”Vícios Privados, Benefícios Públicos?” o senhor fala muito sobre procurar um meio termo entre atuação do Estado e a iniciativa privada no mercado. Entretanto, falar em reformas do aparato burocrático no Brasil parece uma espécie de mito. O Estado forte pode vir a atrapalhar o desenvolvimento econômico de longo prazo?

EG) Na verdade não é um Estado forte, é o “Leviatã anêmico”. Ele é um Estado enorme, mas incapaz de cumprir a suas funções fundamentais que seriam a garantia de um ordenamento legal e o atendimento a certas demandas no campo do capital humano. Nós temos um Estado que realmente se torna, em muitos momentos, um grande obstáculo ao desenvolvimento econômico. O dado fundamental é o seguinte: o Estado no Brasil intermedeia 40% da renda nacional brasileira. Investe pouquíssimo, nosso ensino fundamental é muito deficiente e nossa saúde pública deixa muito a desejar. Tem alguma coisa profundamente errada nas nossas finanças públicas.

 

Opinião)  Por que os brasileiros possuem tanta dificuldade em poupar? Essa dificuldade em poupar pode ser um dos fatores que impactou no desenvolvimento do Brasil em períodos anteriores?

EG) Essa dificuldade de poupar não nasceu hoje, nem ontem. Ela nos acompanha desde que o Brasil é Brasil. Eu dediquei toda a quarta parte do meu livro “O Valor do Amanhã” a tentar entender porque é que a capacidade brasileira de transferir recursos do presente para o futuro é tão baixa. Entram aí fatores históricos, culturais e até geográficos. Decisões de política pública, incentivos... São muitas variáveis. Não existe uma resposta “bullet point” para isso. Para quem estiver interessado nesse assunto, eu sugiro que dê uma olhada na quarta parte de “O Valor do Amanhã”.

 

Opinião) Sabemos que é do seu interesse a pesquisa sobre a relação entre a renda dos indivíduos e a sua felicidade. Por meio dessas pesquisas, comente um pouco sobre até que ponto esses dois fatores caminham na mesma direção.

EG) Essa é uma das grandes surpresas da pesquisa empírica em economia do bem-estar. Os economistas imaginavam que havia uma relação uniforme e contínua entre crescimento da renda e melhoria dos indicadores do bem-estar subjetivo. A grande descoberta foi constatar que a partir de um certo nível de renda per-capita que é surpreendentemente baixo, desaparece por completo a correlação entre crescimento da renda e melhoria dos indicadores do bem-estar subjetivo. Países com nível de renda como Portugal, Coréia do Sul e Irlanda estão exatamente no limiar do ponto a partir do qual não há qualquer evidência de que acréscimos de renda per-capita se traduzam em aumento da felicidade.

 

Opinião) Gostaríamos que o Sr. fizesse uma breve análise da nova fase de alto investimento em infra-estrutura que o Brasil está entrando. O Sr. é adepto da linha de pensamento de que o Brasil está gastando excessivamente das suas reservas para investir em si?

EG) O investimento no Brasil ainda é muito baixo; inclusive em infra-estrutura física. O problema é que o Brasil está querendo fazer muitas coisas ao mesmo tempo, dar um passo maior que a perna. Estamos querendo aumentar fortemente o investimento público e privado, o consumo das famílias e o gasto corrente do governo. Não vai ser possível fazer todas essas coisas ao mesmo tempo. Os sintomas de superaquecimento da economia são muito evidentes hoje no Brasil. Pressão inflacionária de um lado e forte deterioração das contas externas do outro. O ritmo em que essas coisas vêm acontecendo no início de 2010 é muito mais acelerado do que se imaginava há alguns meses. O governo está completamente descoordenado: enquanto o Ministério da Fazenda “pisa no acelerador”, o Banco Central vai ter que “pisar no freio” com maior violência.

 

Opinião) Sabe-se que, teoricamente, o BNDES tem como prioridade o apoio a micro, pequenas e médias empresas. Entretanto, o que se verifica na prática não é bem isso. 80% do financiamento da Usina Belo Monte, por exemplo, será proveniente desse banco, sendo que oito das nove empresas envolvidas no consórcio são da iniciativa privada. Qual é a sua análise em relação à verdadeira atuação do BNDES?

EG) O governo Lula no final desse mandato descobriu um brinquedo muito perigoso: a política para-fiscal. É uma maneira de aumentar o gasto público sem que isso transpareça no orçamento e sem que isso piore a dívida líquida do setor público; o truque é a emissão de dívida pelo Tesouro e a cessão desta dívida por meio de empréstimos para o BNDES que, por sua vez, empresta para grupos empresariais públicos e privados. Isso é um brinquedo extremamente perigoso. Vários analistas, no Brasil e de fora, já vêm alertando sobre os riscos que isso representa para a nossa estabilidade macroeconômica; há uma grave ameaça de que o governo pós-Lula imagine que isso possa continuar indefinidamente.

 

Opinião) Muito se fala hoje em desenvolvimento sustentável e preservação do meio ambiente. Por ser um país em desenvolvimento e, ao mesmo tempo, possuidor de uma fauna e flora diversificadas, o Brasil vem sendo alvo de muitas discussões entre ambientalistas e analistas de índices econômicos. O país está preparado para conseguir atingir um equilíbrio econômico-sustentável?

EG) Estamos muito longe de estar preparados. Eu acho que temos muito o que avançar e eu concordo com a prioridade que isso deveria receber em um país com as características do Brasil. Nós temos um patrimônio ambiental que é único no planeta e temos um desafio enorme de saber como usar de forma inteligente e sustentável esse patrimônio que a geografia, acidentalmente, nos conferiu. O maior desafio estratégico para o país, hoje, é conseguir aplicar conhecimento na preservação e uso inteligente do seu patrimônio ambiental.

 

POLÍTICA

 

Opinião) No seu livro “Vícios Privados, Benefícios Públicos?” o Sr. diz que os brasileiros, em geral, têm um problema de achar que todo brasileiro é ruim e corrupto, mas, individualmente, são diferentes. Isso explica por que os brasileiros criticam tanto a corrupção, porém ninguém se mobiliza pra mudar?

EG) Eu acho isso muito curioso. Os brasileiros gostam de se imaginar totalmente e radicalmente distintos de seus governantes. No entanto, esses governantes não vieram de outro planeta; saíram da própria sociedade e foram eleitos pelos brasileiros. Eu me pergunto se não há uma grande dose de auto-engano nessa crença alimentada por cada brasileiro de que ele é diferente de tudo isso que aí está. Provavelmente, cada um de nós é muito mais parecido com isso que aí está do que gosta de se imaginar. O “paradoxo do brasileiro” é que ele é sempre o outro, nunca é a própria pessoa. Sartre dizia que “o inferno é o outro”. É curioso ver brasileiros que, sempre que alguma coisa é mal feita, dizem “Ah! Mas brasileiro é assim mesmo!” – como se ele não tivesse nada a ver com aquilo.

 

Opinião) Mas isso não acontece em outros países? Só no Brasil?

EG) É uma questão de grau. Penso que isso vai bem mais longe no Brasil. É uma especialidade nossa. O Brasil é um país em que o todo é menor que a soma das partes.

 

Opinião) A corrupção no Brasil provém de aspectos culturais? O que o Sr. considera que pode ser feito para mudar esse tipo de problema?

EG) Aspectos culturais envolvem provavelmente tudo; mas um elemento que alimenta a prática da corrupção, no Brasil, é a impunidade: a probabilidade de ser pego e a gravidade da pena ao ser pego são muito insuficientes para coibirem a expectativa de benefícios que a corrupção proporciona. Enquanto nós não mudarmos essa situação, fica muito complicado conter essa prática no Brasil. Outro elemento que favorece a corrupção é o desenho do Estado brasileiro: os impostos que são arrecadados localmente sendo levados até o governo central e, depois, viajando de volta para serem gastos nos estados e municípios. Esse passeio dos recursos tributários, na ida e na volta, propicia milhares de oportunidades de malversação.

 

Opinião) No Japão, se um político é pego praticando a corrupção, ele se mata. Aqui no Brasil...

EG) Ele se candidata de novo!

 

Opinião) A Lei de Responsabilidade Fiscal, que surgiu no final do governo FHC, melhorou esse cenário?

EG) Ela deu uma disciplina importante para as finanças públicas, mas ela está correndo riscos hoje porque, também nesse final de governo, o Ministério da Fazenda vem flexibilizando as regras de endividamento de algumas cidades e estados, o que é um perigo ainda maior junto com a prática do para-fiscal.

 

Opinião) Pra finalizar, o Sr. gostaria de deixar uma mensagem final aos alunos?

EG) Saibam aproveitar a oportunidade que vocês estão tendo para estudar para valer; para se dedicarem ao que vai fazer diferença para o resto de suas vidas. A faculdade vai passar muito mais rápido do que parece agora e, se não for devidamente aproveitada, essa oportunidade jamais voltará a se repetir. Vocês terão o resto da vida para trabalhar, mas têm só quatro anos de graduação para poderem mergulhar com tudo nos estudos.

 

 

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